Para os adeptos do Benfica, no entanto, a época terminou há mês e meio, precisamente no dia 21 de Março, data da final da Taça da Liga, troféu arrecadado com grande polémica, mas arrecadado e pronto.
O Benfica que ameaçava ser imparável no primeiro terço do campeonato acabou por se estatelar quando a corrida lhe parecia favorável. No que diz respeito à Taça de Portugal, estatelou-se o Benfica no Estádio do Mar frente ao Leixões, a equipa sensação da primeira metade da época o que, pensando bem, também não serve de grande consolo.
Tudo isto para chegar à constatação de uma realidade do momento presente: queixam-se os benfiquistas da falta de interesse que o fenómeno futebolístico lhes provoca. Nota-se uma crispação quando são desafiados a falar de futebol, mesmo que seja uns com os outros. Por exemplo, ainda no princípio da semana testemunhei este diálogo curtíssimo entre dois utentes dos transportes públicos lisboetas:
— Parece que o Reyes vai voltar para o Atlético de Madrid.
— Que faça boa viagem.
— Mas é um bom jogador.
— Eh pá, estou farto de bons jogadores que só fazem um jogo bom por ano.
— Contra o Nápoles, não foi?
— Pois foi. Eu quero é jogadores que façam grandes jogos na Trofa e em Matosinhos e na Luz contra todos os outros.
— Mas olha que o Reyes na sexta-feira marcou o nosso tento de honra na Madeira, contra o Nacional.
— Nem sabia que tínhamos jogado com o Nacional. Qual foi o resultado?
— Perdemos 3-1, mas fomos roubados num penalty.
— Eh pá, já nem posso ouvir essa conversa…
Andam assim os benfiquistas, desanimados. Tão desanimados que já nem os árbitros são tema unânime de conversa. Começa a haver quem alimente outras teorias sobre o fracasso continuado da equipa. Eis o que ouvi, muito recentemente, entre outros dois consócios sobre os «roubos de igreja», para utilizar uma expressão que não dá processos em tribunal.
— Desculpa mas aquilo foi mesmo penalty e ainda só estávamos a perder por 2-1...
— Estou farto de ouvir falar em penaltys… Temos é que jogar mais à bola.
— Mas penalty a penalty enche a galinha o papo, como sabes muito bem.
— Sei muito bem mas temos de ter outro espírito, mais positivo. Temos de saber transformar essas roubalheiras de igreja em suplementos de ânimo em vez de começarmos logo a chorar e a perder os jogos todos de seguida.
— Mas concordas que aquilo que nos aconteceu no Porto, quando lhes estávamos a dar um baile e a ganhar, foi um grande suplemento de desânimo?
— É precisamente isso que está mal… Isso não é uma atitude de campeões! Quando são vítimas de roubos devemos reagir com garra, com espírito indomável e vingador, em vez de nos deitarmos a chorar.
— Confesso que me deitei a chorar quando o Pedro Proença marcou aquele penalty contra nós no Dragão. É que vi logo onde é que a coisa ia parar… vi logo que, uma vez mais, o FC Porto ia ser levado ao colo até ao título!
— Essa é a atitude errada.
— Então qual é a atitude certa?
— É a do Cristiano Ronaldo!
— Queres dizer que, no Dragão, é preciso marcar golos a 40 metros de distância para não serem invalidados por fora-de-jogo?
— Não sejas parvo. Quero dizer que o Cristiano Ronaldo deu-nos o exemplo concreto, real e à campeão de como é que se reage, em campo, depois de sermos vítimas de uma roubalheira.
— Explica-te, por favor.
— No domingo, no Funchal, elementos de uma claque do FC Porto assaltaram por duas vezes a loja do Cristiano Ronaldo…
— Ah, eu li. Meteu polícia e tudo!
— … entraram uns ladrões pela loja dentro e trataram de encher as mochilas com artigos da marca CR7...
— Sim, uma roubalheira… parece que estavam zangados por causa do golo que o Cristiano Ronaldo marcou no Dragão e levaram as mochilas cheias
— Uns são levados ao colo, outros levam as mochilas cheias…
— Sim, vai tudo dar ao mesmo… o mundo é uma bola.
— Exactamente, tudo isto é futebol. Vítima de um roubo de cariz futebolístico, como é que o Cristiano Ronaldo reagiu no jogo seguinte? Deitou-se a chorar? Jogou poucochinho com a desculpa de que estava traumatizado por ter sido gamado?
— Não, nada disso. Encheu-se de brio e foi a Londres dar espectáculo. Meteu dois golos ao Arsenal e deu outro a marcar.
— Eis um campeão! Quando a nossa equipa souber reagir assim às roubalheiras somos campeões num instantinho.
— És capaz de ter razão.
— Ah, pois tenho.
Mas há outros assuntos que ainda conseguem despertar um mínimo de atenção aos benfiquistas enquanto aguardam pelo defeso e pela sempre glorioso pré-época. Como, por exemplo, o Sporting. Ei-los à conversa:
— Sem me querer imiscuir nos assuntos do nosso velho rival, gostava que o próximo presidente deles fosse aquele senhor que foi inspector da Polícia Judiciária.
— Quem sabe se a moda pegava? Gostava de ver o futebol português entregue à polícia.
— Sim, já era altura…
— Quem sabe se o simpático guarda Abel chegava a presidente do FC Porto?
Bom, como devem ter compreendido chama-se a isto «falar de futebol» ao mais alto nível local. Para «ver futebol» ao mais alto nível mundial, benfiquistas e não-benfiquistas, só têm um remédio: não perder um jogo do Barcelona. E depois conversar sobre o assunto. Como ontem, por exemplo, mal tinha terminado o jogo de Londres e logo os nossos dois amigos benfiquistas trocaram opiniões.
— O Barça teve muita sorte.
— Sim, mas aquela expulsão foi muito injusta. Pensei que o Barça se fosse abaixo, a jogar com 10 e a perder.
— Pois, mas os campeões não choram as injustiças dentro de campo, limitam-se a dar a volta por cima nem que seja no último minuto do jogo.
— Tenho a sensação que já falámos sobre isso hoje…
E será que vão continuar a falar?
FONTE: Leonor Pinhão
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