
No entanto, o atraso de uma equipa no campeonato é directamente proporcional à capacidade de efabulação dos seus adeptos. Não se estranha, portanto, que Sousa Tavares tenha prosseguido: «lembro-me bem do penalty decisivo, no último jogo no Bessa, que foi dos mais anedóticos que já vi assinalado». Mais uma vez, é mentira (peço desculpa, mas não há mesmo melhor palavra) que o penalty tenha sido decisivo. O Benfica terminou o campeonato três pontos à frente do Porto. Sem o ponto que aquele penalty garantiu, teria sido campeão na mesma. Resumindo: como o Porto (ainda) não consegue vencer campeonatos estando dois pontos atrás do primeiro classificado, aquele penalty não foi, de todo, decisivo.
Finalmente, a propósito do golo do Braga, diz Sousa Tavares que «entre a saída da bola e o golo decorreram uns trinta ou quarenta segundos em que a bola passou por uns seis jogadores e poderia ter sido umas três vezes definitivamente afastada pelos jogadores do Marítimo antes do belíssimo pontapé fatal de Luís Aguiar.» Permitam-me que atalhe para informar que isto é, como dizer?, mentira. Entre a saída da bola e o golo decorreram, não quarenta, não trinta, nem mesmo vinte, mas dez segundos. E a bola passou por dois jogadores do Marítimo que, no meio de sucessivos ressaltos, não conseguiram sequer tirá-la da grande área. A título de exemplo, compare-se com o golo do Benfica ao Porto. Entre o fora-de-jogo de Urreta e o belíssimo pontapé fatal de Saviola decorreram 13 segundos. E a bola é tocada por quatro jogadores do Porto que conseguem afastá-la para bem longe da área. A diferença é que o lance do Braga é uma minudência, mas o do Benfica é uma mancha que ficará para todo o sempre.
Éo que costuma acontecer aos moralistas: tanto tempo a acusar o Benfica de querer ganhar fora do campo, e afinal é o Braga que faz jogadas fora das quatro linhas. Domingos Paciência, que tem historial de estar a olhar para o chão e não conseguir ver lances polémicos, compreendeu o fiscal de linha. Disse que, provavelmente, o árbitro auxiliar não viu a bola fora porque «estava muito perto». Trata-se de uma hipótese brilhante. Pessoalmente, sempre achei que isto de colocarem os fiscais de linha junto da linha era uma estupidez. Em todo o caso, quando o Braga visitar o Benfica, talvez seja bom que Jorge Jesus jogue com dois laterais de cada lado. Um do lado de dentro da linha, outro do lado de fora.
Segundo a opinião insuspeita e prestigiada de Cruz dos Santos, apesar do que por aí se berrou e dos cabelos que se arrancaram, não é certo que tenha havido penalty sobre Ruben Micael no jogo contra o Leixões. Ruben Micael protestou, mas a verdade é que Ruben Micael protesta contra todas as decisões de todos os árbitros. Aparentemente, alguém deve dinheiro a Ruben Micael, ao menos tendo em conta a superioridade chorona que ele exibe em todas as ocasiões. É muito divertida, aquela indolência sobranceira própria de quem parece estar convencido de que é o melhor jogador português. O drama de Ruben Micael é que nem sequer é o melhor jogador madeirense.
Na Luz, embora o futebol tenha sido menos bom do que é costume, o teatro foi de alto coturno. Comovente, o modo como Bruno Vale, depois de cortar a bola com a mão, tentou enganar o árbitro fingindo ter levado com ela na cara. Foi um bom momento, mas é uma estratégia que não resulta em qualquer estádio. No Dragão, por exemplo, os guarda-redes são expulsos mesmo quando levam com a bola na cara.
Hulk incorreu numa infracção punível com uma pena de seis meses a três anos. Em princípio, se houvesse circunstâncias atenuantes, seria punido com um castigo mais próximo dos seis meses. Se houvesse circunstâncias agravantes, seria punido com uma pena mais próxima dos três anos. Apanhou quatro meses. Recordo que a lei previa um mínimo de seis. A Comissão de Disciplina alega a existência de uma forte atenuante: Hulk foi provocado. Ficou provado que os stewards não insultaram nem agrediram (enfim, o equivalente ao Guarda Abel, como muito perspicazmente têm assinalado vários adeptos do quarto classificado). Mas, ainda assim, conseguiram provocar. As piores provocações são, como sabemos, as que não consistem em insultos nem em agressões. Daí constituírem as melhores atenuantes, e contribuírem para uma punição inferior ao que a lei estipula. Vamos supor que, em vez de uma atenuante, a Comissão tinha identificado uma agravante. Alguém acredita que Hulk tivesse sido punido com um castigo superior ao limite máximo previsto na lei?
Por Ricardo Araújo Pereira, edição 20 de Fevereiro 2010 - Jornal "A Bola"
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