terça-feira, 14 de julho de 2009

A pandemia de gripe e o sistema de Saúde

Em Março de 2009 foram detectados no México os primeiros casos de infecção humana pelo novo vírus A(H1N1). Face à existência de transmissão comunitária deste vírus recombinante em duas regiões de saúde do Mundo (Região Pan-americana e Região do Pacífico Ocidental), a OMS declara, em Junho deste ano, a primeira pandemia de gripe do século XXI.
As pandemias são epidemias globais causadas por vírus completamente novos para os quais não existe imunidade prévia (i.e., virtualmente toda a população mundial é susceptível). Não obstante o seu carácter global, o seu impacte é essencialmente local, reflectindo-se a um nível comunitário e individual.
Tratando-se de acontecimentos excepcionais pela sua frequência e transcendência social, as pandemias requerem respostas igualmente excepcionais - porque sistémicas - por parte da sociedade.
Desta forma, o esforço de preparação não se poderá limitar ao sector da saúde devendo, assim, ser externalizado aos restantes sectores da sociedade.
O papel do sistema de saúde consistirá, não apenas, na prestação de cuidados de saúde aos doentes com gripe e prestação de cuidados inadiáveis de saúde aos restantes doentes, mas também na capacitação do público em geral no que diz respeito à gripe pandémica ("what is known and not known") e à procura apropriada dos cuidados de saúde.
No actual contexto epidemiológico nacional (05/07/2009), a resposta assenta numa estratégia de contenção. Uma vez instalada a pandemia no nosso País (transmissão mantida na comunidade), os esforços deverão ser dirigidos para a mitigação do seu impacte.
Nessa medida, a robustez do sistema de saúde, correspondente à sua capacidade em gerir a doença pandémica e em prestar os restantes cuidados emergentes de saúde, será um dos principais determinantes do impacte da pandemia de gripe, traduzida pelo grau de disrupção social e económica decorrente.
A disseminação dos casos ao longo do tempo permitirá aos serviços de saúde lidar mais facilmente com o inevitável afluxo aumentado de doentes.
A comunicação em saúde, incluindo a veiculação de comportamentos e atitudes redutores do risco (designadamente as medidas de higiene das mãos e a etiqueta respiratória) e a promoção dos autocuidados de saúde estão entre as estratégias mais custo-efectivas no que diz respeito à maximização da capacidade de resposta do sistema de saúde.
O impacte desta pandemia, uma vez instalada no nosso País, é impossível de prever. No entanto, a OMS refere três determinantes fundamentais: as características (clínicas, epidemiológicas e intrínsecas) do vírus; a vulnerabilidade da população afectada (relacionada com a proporção de indivíduos com risco acrescido de complicações); a capacidade de resposta da sociedade (relacionada com o sistema de saúde e a comunicação do risco e mobilização social).
O sistema de saúde português, com provas dadas ao longo das últimas décadas, tem demonstrado a sua eficácia na gestão dos casos capturados pela vigilância epidemiológica desde 29 de Abril, data da activação do Plano de Contingência Nacional da Direcção-Geral da Saúde.
Por outro lado, as características clínicas e epidemiológicas da infecção na generalidade dos países e, em particular, em países mais afectados como o México ou os Estados Unidos, prognosticam uma pandemia com um curso favorável.
A intervenção sobre o sistema de serviços de saúde - mediante o estabelecimento de prioridades, a redistribuição de recursos e o enfoque na efectividade populacional dos cuidados prestados - corresponde, juntamente com a vigilância epidemiológica, ao que poderíamos chamar de "cuidados de saúde pública", particularmente pertinentes no actual contexto epidemiológico.
A gestão adequada duma pandemia implica a mobilização de recursos numa perspectiva populacional - ao invés da perspectiva clínica de gestão individual de casos num contexto de ausência ou de escasso constrangimento funcional de recursos - implicando um novo paradigma de prestação dos cuidados possíveis em vez dos cuidados ideais.
Por outro lado é essencial capacitar o público e os próprios profissionais de saúde relativamente ao primado do bem comum relativamente ao bem individual, sob pena de se comprometer a equidade e a efectividade dos cuidados prestados num contexto de escassez de recursos, decorrente do aumento explosivo da procura (taxas de ataque 5 vezes superiores às da gripe sazonal) e da diminuição acentuada da oferta (em resultado do absentismo laboral estimado em 30-40%).
A todos os profissionais de saúde exige-se, mais do que nunca, uma postura altruísta e de doação à causa pública, a racionalidade na tomada da decisão e o cumprimento escrupuloso das boas práticas da sua profissão, incluindo o respeito pelas hierarquias e pelos procedimentos determinados superiormente no que diz respeito ao fluxo e gestão de doentes.
Em algumas profissões da saúde (caso dos médicos, enfermeiros e farmacêuticos) acresce, a estas obrigações, informar e esclarecer, de forma compreensível mas cientificamente fundamentada, o público que contacta com os serviços de saúde.Numa sociedade global e globalizada, em que o acesso à informação se encontra à distância de um teclado de computador ou de um controlo remoto de televisão, os órgãos de comunicação social desempenham um papel fundamental na veiculação de informação em saúde e na percepção do risco por parte da população em geral.
O público correctamente informado e capaz de decidir, de forma apropriada, na saúde e na doença, é um recurso inestimável de qualquer sistema de saúde que urge encarar como tal por todos os seus actores.
A comunicação social detém o papel de parceiro primordial, ao mobilizar a sociedade em torno da resolução dos problemas e do bem comum e ao promover a divulgação de informação pertinente e cientificamente válida.
Por outro lado, a concertação de esforços, condição necessária a uma resposta adequada à presente pandemia de gripe, torna por demais evidente a relevância dos serviços de saúde pública - e, muito em particular, dos médicos especialistas em saúde pública - na gestão das ameaças à saúde e bem-estar das populações.
Fonte: Expresso - Carta dos Leitores
Lúcio Meneses de Almeida, Médico especialista em saúde pública, Membro da Direcção do Colégio da Especialidade de Saúde Pública
17:47 Quinta-feira, 9 de Jul de 2009

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