sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Opinião | O martelo e a linha de cozer

As muitas decisões que agora cabem aos tribunais relativamente aos menores, contrastam com as raras vezes em que, no passado século, eram os pais os pilares da educação e os principais actores nos papéis decisórios. A vida de muitas crianças passa agora por ser controlada pelos tribunais, juízes mais ou menos capazes, mais ou menos imparciais. Estas crianças assistem aos seus progenitores serem passados para trás, sendo um juiz a fazer o papel de mediador, passando a ser ele aquele que ensina, que formula, que decide. É de notar que muitas vezes são os próprios pais, achando-se incapazes que põem essas decisões nas mãos dos juízes.

Estas são apenas as consequências de uma sociedade alterada, não necessariamente pior do que a anterior, mas sim diferente. Os nossos precedentes eram, tal como nós, a base de uma sociedade como a actual, má e boa, permissiva e autoritária, rancorosa, afectiva, simples e complicada. Enfim, somos iguais, talvez não nas mesmas fatias, mas somos uma cópia do mau e do bom.
O facto é que a velocidade trouxe por arrasto o conhecimento e com ele tomou realce todas as coisas boas do ser humano, mas ao mesmo tempo que realçava o bom, esse, contrastava cada vez mais com o lado negro dessas que são as peças fundamentais da sociedade: as pessoas. Ou seja, salta à vista de todos, mesmo que cegos, que ser mãe e ser pai não é necessariamente ser Mãe e ser Pai. Daí que seja absolutamente necessário... legislar.

Parece-me a mim, contra natura (apesar de concordar que se faça), que tenhamos, como sociedade, de legislar como deve um/a pai/mãe interiorizar um sentimento, como o deve sentir, como se se pudesse ensinar a alguém como respirar... ‘’inspiras assim, e depois expiras assim, continuamente, e para o resto da tua vida’’.

Em termos práticos sabemos que são tomadas muitas decisões acertadas em tribunal, e isto porque o legislador pensou em primeiro lugar na criança. É tomada, sempre, em muita consideração o superior interesse desse ser.
O problema é que também aqui a justiça falha. Se falhamos uma vez que seja, em mil, a sociedade ressente-se, temos uma lacuna! A culpa passa a não ter dono, porque é ofuscada pela sociedade “maquinizada”. Vale a pena acrescentar que a sociedade pagará por isto mais tarde, porque essa criança irá apresentar factura.

Eu sei que a sociedade não é perfeita, e a imperfeição acaba por tocar, mais ou menos, de leve ou em soco em cada peça que a compõe. Ao de leve, sustem-se a respiração um pouco e passa. Mas quando a imperfeita sociedade dá um soco na frágil estrutura de uma criança, essa marca perdurará até ao ínfimo pormenor do seu ser. Sendo um ciclo altamente vicioso, ela terá também influenciado a imperfeita e renovada sociedade que virá.
Mas deixando de lado a apreciação demagoga, passemos ao estado bruto e delicado do assunto.

O/A Pai/Mãe é a quem primeiro é dada a escolha natural de educar, assegurar, cuidar dos seus filhos. Falámos antes, de que nem sempre esse parente opta, pelos mais variados motivos, por ser o que a Natureza lhe diz para ser.
Tal como a natureza do ser humano, sem que se lhe ensine nada, nasce e respira, uma mãe e um pai, são, na maior parte das vezes, sem precisar de mandamentos ou instrução, Pais e Mães.
Somos muitos os tipos de pais/mães, dependentes, assustados, organizados, carinhosos, orgulhosos, imperfeitos, mas pais e mães. A dependência nasce e cresce em cada um de uma forma assustadora, faz tremer e temer. Vem a pouco e pouco e quando percebemos já somos dependentes de um sentimento, já não há nada à nossa volta que supere a ambição de educar a criança. Sabemos que não temos as indicações de como fazer esse papel nas perfeitas condições, temos sempre falhas, que mais ou menos vão influenciando uma criança. Mas também temos toda a certeza de que se não pusermos tudo de nós, com o bom e com mau à mistura, não estamos a dar o que um Filho merece.

Até aqui nenhum juiz é chamado a intervir. Não é preciso. Não há quem melhor pudesse cuidar dessa criança.
Ele aparece como sentenciador no momento em que algum ou ambos os pais não estão, por motivos psicológicos, químicos, genéticos ou naturais, preparados para assegurar o bem-estar físico e emocional da criança.
Cabe a toda a sociedade identificar quem são esses pais, que com ou sem culpa, não conseguem zelar pelos filhos.

Numa qualquer tese de doutoramento, que abranja, mesmo que parcialmente este assunto, incluirá a distinção dos vários tipos de pais/mães, detalhando as consequências de actos e omissões, tipos, tipologias, nomes comuns, substantivos, alcunhas, pseudónimos e nomenclaturas complicadas.
Mas a realidade funde-se com a fantasia em muitos casos. É de lamentar que os pais sejam imperfeitos? Não. É de lamentar que os pais finjam a perfeição? Sim.
É de lamentar que um/a pai/mãe tenha como secundário um filho, ou, mesmo que tendo-o com principal, seja como arma de arremesso para quem julgue necessitar atingir? Sim, e muito.

Assim, vou-vos falar, especificamente, de um certo tipo de pai: o pai-agulha. O pai-agulha, tal como a agulha, pode ser definida de diversas perspectivas. Pegando na perspectiva mais óbvia, a agulha é um objecto metálico que serve para coser. É pontiaguda e afiada.
Ora, o pai-agulha também ele é afiado, e até pode em determinados e raros momentos ser o que lhe compete, mas nunca deixa de ser afiado. Rebenta muitos balões, faz muito barulho, afia-se aos outros, e sempre que pode fere.

Este pai, reclama o filho não porque o queira ou porque por ele tenha cuidado, mas porque encontra nesse protesto uma forma de prolongar um litígio, que vai muito além, da separação com o outro progenitor.

Como nos devemos colocar diante de um progenitor que, embora se assuma como pai de diversas crianças, tome acordo para uma delas, recusando o contacto ou negligenciando, continuamente uma outra?

Como nos devemos colocar perante um pai que não tem qualquer percepção da sua função, que não interiorizou, nem tem no seu consciente qualquer dívida para com o filho? Entendendo-se ele como um ser superior, interioriza que tem “algo” que lhe pertence, passando por cima de todos, incluindo a criança (que vê como moeda), abrindo caminho para uma virtual justiça sobre o seu virtual direito de posse.

O pai-agulha quer ferir o outro progenitor e usa o Filho como linha de coser.
Desconhece a expressão e sentido da parentalidade relacional. Baseia-se nos termos e significados de vingança, poder, necessidade, termos que lhe alimentam o ego, sem o qual já não consegue viver.
Aproxime-se o juiz e decida que os filhos de um pai-agulha, são, sem perceberem, esmagados por uma fantasia. Sr. Juiz! Afaste estes pais, estes, que retiram aos verdadeiros progenitores a noção de espaço e tempo, que os torturam, torturando consequentemente, as próprias crianças.
Não cosam com a agulha que vos quer ferir.

Bate o Martelo do Juiz... para fazer de Pai.


Anónimo 7 de Setembro de 2008

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