sexta-feira, 5 de junho de 2009

Avaliações

O triste caso da professora de Espinho não deve ser generalizado. Mas há uma série de perguntas que precisam de resposta. A primeira delas é: como é que ninguém notou que a professora não estava em condições de saúde para leccionar? Se esta docente de História substituía a matéria por invectivas pessoais aos alunos - alunos de 12 e 13 anos - sobre as supostas práticas sexuais deles, certamente que, nas reuniões de professores, a doença mental desta professora deveria notar-se. É muito evidente que o que se passou naquela sala de aula não tem nenhuma relação com programas de educação sexual - convém repetirmos esta evidência para calar a mistificação a que prontamente se lançaram os cruzados da fé e do império dos pais contra o direito ao esclarecimento dos filhos. Num programa "transversal" de educação sexual, a professora poderia falar sobre as diferentes concepções da sexualidade, da virgindade e do casamento ao longo da História; no meu tempo, a explicação do "direito de pernada" (o direito do senhor feudal a desflorar as mulheres dos seus servos, na noite de núpcias, antes do marido) fazia parte do estudo do feudalismo, sem que isso provocasse qualquer alarde. Creio todavia que a educação sexual não se centra nem se esgota nestes ensinamentos da História, pelo que deve ser um capítulo das Ciências da Natureza, para que possa ser leccionada com a objectividade e a isenção ideológica desejáveis.
Há, todavia, um pormenor relevante, do discurso delirante desta professora: é aquela frase em que, insultando a mãe de uma aluna, ela acrescenta os seus próprios títulos académicos como prova de superior sabedoria. Cena idêntica presenciei eu, há um ano, numa aula de ginástica de uma escola pública do primeiro ciclo, em Lisboa: "Têm que me respeitar, porque eu tenho um curso superior". Quase teria tido pena da presunção cândida da professora: graças a Deus, nenhuma criança de 9 anos respeita quem quer que seja por causa do canudo. A pena esvaiu-se-me quando a professora acrescentou: "Mexe-te! Pareces um atrasado mental!". Esta professora não tinha qualquer problema do foro psiquiátrico - só uma educação muito deficiente, e uma incapacidade pedagógica clamorosa. Não a tomei como regra; naquela mesma escola, havia várias outras professoras magníficas. Uma das coisas que essas professoras faziam era convidar regularmente os pais a participar nas aulas - lendo uma história ou falando sobre a sua experiência profissional.
Pergunto: porque é que no ensino secundário os pais não são convidados a, de vez em quando, assistir às aulas? Ergueram-se várias vozes para criticar a gravação às escondidas feita pelas alunas. Mas o que poderiam ter feito as alunas (ou os pais delas), naquele caso concreto, já que as queixas tinham apenas como consequência o agravar das ameaças e do assédio moral da professora? Mais degradante do que ensinar adolescentes a agirem como detectives reles, daqueles que fazem profissão de gravar filmes de adultérios para vender aos cônjuges traídos, só mesmo deixá-los à mercê de um poder enlouquecido e arbitrário. Para que assim não seja, a sala de aula tem de ser um espaço aberto às famílias - e aos avaliadores.
Quem avalia quem, e como? Esta pergunta aplica-se a toda a função pública. Viveu-se durante demasiado tempo a ignomínia igualitária que consiste em pagar do mesmo modo a excelência e a mediocridade - ou, até, premiar a mediocridade, que só é competente a lamber as botas certas. Mas quando, na base da avaliação, está um numerus clausus estatatístico que estabelece que em determinado equipamento municipal, dado o baixo número de funcionários, não pode haver sequer um funcionário excelente, a injustiça permanece. Diz-me a experiência que as equipas pequenas tendem a ser mais competentes, criativas e dedicadas do que as muito grandes. A contabilidade cega que se quer fazer passar por avaliação não contempla as pessoas, nem o trabalho efectivamente realizado. Só números, e à maneira antiga: cortar salários e esperanças dos mais mal pagos. Excelentes, só os que excelentemente circulam nas salas do poder. Não são os professores. Nem os funcionários públicos. Por muito bons que sejam - eu, por exemplo, trabalho com quinze funcionários públicos que são objectivamente excelentes ou muito bons, e estão proibidos por lei de ser avaliados como tal.

FONTE: Expresso - 3/06/2009 - Inês Pedrosa

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