terça-feira, 9 de junho de 2009

Quando o futuro é tão incerto, resta o quê?

Ninguém, hoje, tem dúvidas de que vivemos numa sociedade potencialmente explosiva, onde múltiplas exclusões se agudizam a cada dia que passa. A instabilidade social parece ser o sentimento de quase todos, e, quando tudo treme, a possibilidade de toda a estrutura ruir é imensa, basta um mínimo deslize.
O nosso país está assim, o mundo todo está assim. Ninguém parece querer arriscar qualquer movimento e, neste impasse, quase se paralisa a economia e a vida das pessoas. Instala-se a crise. Contudo, estes problemas que tendem a desestruturar as sociedades não são um epifenómeno da crise actual, vêm de longe e vêem-se à vista desarmada. Alguns aspectos são de percepção comum: - A organização da própria sociedade. Os empregos mal remunerados, longe de casa e a muitas horas de distância, passadas em transportes públicos desconfortáveis e pouco eficientes, chegando, em hora de ponta, a ser desumanos.
Recentemente, foi noticiado que as creches que abrem e fecham a desoras, tipo 5/6 h da manhã e 8/9h da noite, têm cada vez maior procura. Isto terá inevitáveis reflexos na vida futura destas crianças e de suas famílias, espero que quem sabe do assunto – médicos, psicólogos, pedopsiquiatras… – digam alguma coisa, para ajudarem a ver o essencial. No mesmo sentido, a vida de tantas crianças, muito jovens ainda, de passe social ao pescoço, subindo e descendo autocarros, a caminho da escola, a maioria com chaves de casa no bolso, entregues a si próprias, tardes, manhãs ou dias inteiros.
- O modo como se vive e se constrói a cidadania. Os espaços públicos e de convivência não criam proximidade, a vida comunitária e associativa, onde se deveriam partilhar projectos e desenvolver interesses comuns, está longe de construir verdadeiras pertenças, familiaridades e cumplicidades, as quais, construídas na juventude, perdurariam pela vida fora. Talvez se creia que a Internet, onde, aparentemente, o debate e a partilha de interesses parecem sem limites, possa substituir a conversa na praça, o encontro na associação…, mas, temo que se venha a descobrir, mais tarde que cedo, que não é bem assim.Os bairros tornaram-se anónimos, descaracterizados e sem identidade. Cada vez mais, somos de lado nenhum, evitamos, até, dizer onde vivemos, e isso pode acontecer não apenas por se tratar de um bairro social mais ou menos problemático, mas simplesmente porque não temos nenhum sentimento de pertença ao local, e por isso dizemos: “vivo em Lisboa”, “vivo no Porto”, “vivo no Algarve”, etc. Sem nos darmos conta, vamos ficando sem raízes e cada vez mais sós. Na verdade, uma solidão crescente habita as ruas, mesmo que nelas caminhem multidões.
- A precariedade laboral e o desemprego. Há pessoas, anos a fio, em empregos instáveis, a recibos verdes, sem o mínimo de possibilidades de terem qualquer projecto de futuro, e muitas delas sem qualquer esperança de algum dia virem a ter um trabalho estável. Em consequência, surgem a desmotivação, a baixa auto-estima, a depressão, o desânimo…, e o efeito de bola de neve instala-se, tudo parece correr mal.
Em muitas zonas rurais do interior do país a produção agrícola tornou-se residual, restam alguns serviços e a saída para fora. A isto, junta-se o desemprego galopante dos últimos meses, a falência ou a deslocalização de muitas empresas, para o qual não se vê saída, com a consequente instabilidade pessoal, familiar e social.
- A corrupção e o tráfico de influências. Em regimes democráticos, num Estado de direito, com leis e instituições a regular a vida social, diríamos que até ao ínfimo pormenor, seria de supor que os fenómenos de corrupção fossem evitados à mínima tentação – que existe, obviamente. Mas não é assim, atingiu, entre nós, nalguns casos, um patamar inimaginável. É algo que repugna pelo que tem de “polvo”, de subterrâneo, de engano e de malfeitoria. Ver alguns daqueles banqueiros, que julgávamos gente séria, serem meros delinquentes; ver o tráfico de influências de políticos e outros poderosos – alguns saem do governo e vão para administradores de grandes empresas, com o maior dos à-vontades – é de uma gravidade incomensurável.
O cidadão honesto que cumpre com os seus impostos e paga com sacrifício as suas contas descrê de tudo. É a estrutura da própria sociedade que fica em perigo. Resta não descrer em absoluto na justiça e nas potencialidades da democracia.

Fonte: DN Opinião (por Maria Rosa Afonso - 08/06/09)

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